Ontem à noite, pasmem vocês,
tive crise de carência.
Não que seja novidade na
minha, na sua, na nossa vida. Posso até dizer que todos a vivenciam um
pouquinho de vez em quando, ou até um montão. Mas convenhamos que fazer dela
presença constante durante as 24 horas do dia já é demais, e afeta até nossos
bichinhos de estimação. O que não é o meu caso fique claro. Apenas tenho
momentos, geralmente quando vou ao passado.
Então docemente, mansamente,
reclamei ao Senhor.
“Senhor, confesso
que ando um tanto irascível, me irritando com tudo e todos com estranha
facilidade. Sem falar das cobranças. Não sei por que cargas d’água cobro sempre
perfeição nos outros, mesmo sabendo do quão longe estou de atingir meus
próprios ideais. Disseram que é carência...”.
“É evidente, Senhor, que eu adoraria apresentar idéias
claras e precisas sobre quaisquer assuntos, ter uma argumentação embasada para convencer
gregos e troianos, ser poeta do amor e do sonho, ter a coragem de viver
intensamente uma causa e de não aceitar a uniformidade vigente. Sim... também
gostaria de ter uma companhia... É pedir demasiado?”.
Só que não fui sorteada com nada,
não é? Sou tão igual aos seus mais de sete bilhões de seres (com exceção dos gênios)
que me tornei uma chata. E uma carente nervosinha.
“Neste momento, Senhor, é quando vos conto da
necessidade de todos nós a mais carinho e atenção, para vivermos alegremente, e
sermos diferenciados. Sem as carências que me afligem. Não que sejamos todos
infelizes. Longe de mim tal afirmação, mas...”.
Sei até que tem uma pesquisa
por aí, bem recente, afirmando que apenas 28% da população brasileira diz não
ter recebido o carinho merecido nesta vida. Estarão os outros 72% vivendo no
modo feliz? Sei não...
Mas eu acredito, acredito
mesmo, que carência e solidão têm muito em comum. Pergunto então, Senhor, por que não me enviou um
companheirinho dedicado, amoroso, doce como favos de mel? Tanta gente ganhou um
desses! Desculpa dizer, mas muitos nem mereciam esse mimo celestial, sabia?
Pense comigo: quando jovem,
linda, e inteligente, o que o Senhor
me ofereceu? Bem... Me enviou um rapaz que amei de paixão, tão incrível ele “parecia”
ser. Primeira grande paixão. E com quem fiquei mais ou menos uns sete anos. E
depois? Descobri com imenso sofrimento seu lado sombrio: era terrivelmente mulherengo
e um mentiroso de inigualável. Comi o pão que seu arquiinimigo amassou ao
descobrir o tanto de filhos que trouxe ao mundo estando ao meu lado. Sei lá... Hoje
até considero ser esse o destino reservado a ele. Mas não desculpo.
Bem Senhor, depois vieram mais umas quatro ou cinco tentativas “sérias”,
entre muitos outros amores platônicos, porém todos, todos mesmo, sem nenhum
caráter, e sem nada de especial tanto física quanto no cérebro. Para quem almejava
dividir sua vidinha com um profundo conhecedor de física quântica, por exemplo,
ou um expert em analisar passado, presente e futuro da humanidade, triste
realidade a minha, concorda?
Devo supor, entretanto, que tal
destino me foi traçado a muito, muito tempo atrás, e que novas aventuras ainda estão
por vir. Senhor, não demore porque nosso tempo é diferente. E o meu está
passando bem rapidinho. Se for o caso de um novo mimo, ele nem precisa ser tão perfeitinho...
Só charmoso e dengosinho.
Por fim, e sinceramente: Senhor, não mereci suas escolhas.
E pasmem vocês, amigos... Estou
carente, de novo!