quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Pai...afasta de mim esse cálice! Chico Buarque - Roda Vida

Eu nem sabia que o CD “A Arte de Cantar”, com o fantástico MPB 4, descansava num dos poucos cantos (da casa) que ainda reservo para recordações passadas.

Mais por cansaço deste infindável isolamento por Covid 19, e também pelas poucas opções da Netflix, e nenhuma da TV aberta, decido ouvir uma... duas... três músicas do tal disco a laser. Quantas memórias encontro nele!

Amigos que amava e se foram. Outros que se afastaram demais para serem reencontrados. Imersa em prazerosa saudade, vou seguindo caminhos diversos, encantada, em busca de razões para lembranças tão fortes, tão doces, tão vibrantes. Por que foram anos tão especiais? Simples, amigos. Foram anos em que a esperança enfraquecia os percalços da vida e reforçava os ideais nossos de cada dia. 

...”tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu, a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu, a gente perdeu voz ativa no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega esse mundo prá lá”...

Que tempos esses! Época de homens, mulheres e jovens mais informados, mais intelectualizados, mais corajosos, e mais atuantes. Um privilégio ser contemporânea de seres tão iluminados como Chico, Caetano e Gil. Bethânia e Gal. Djavan, Fagner e Gonzaguinha. Vandré. A explosão do NOVO na música não deixava dúvidas: era preciso mudar, transformar, crescer. Impossível ficar indiferente. Impossível não participar.

...”o tempo rodou num instante nas rodas do meu coração, a gente vai contra a corrente até não poder resistir, mas eis que chega a roda viva e carrega a saudade prá lá”...

Se as canções nos faziam dançar e sonhar as letras, que abusavam das metáforas, nos lembravam das muitas crises que assombravam a sociedade brasileira. Recordo de como os ideais falavam alto nesse passado, sem medo. Aliás, bem mais alto do que no presente, onde mal ouvimos alguns sussurros assustados, que se perdem no caos econômico e na lama da corrupção.  

O desejo maior era o de construir os alicerces para um futuro de igualdades, de responsabilidades, de solidariedade. E de nenhum preconceito.

...”eu já estou com um pé nessa estrada, sei que um dia a gente se vê... sei que nada será como antes... amanhã”...

Nem como antes, nem como o sonhado. No fim dos caminhos havia um precipício. Era preciso desviar. Não desviamos. Venceram e vencem os de sempre. Mas ficaram Elis, Jair Rodrigues, Tim Maia, Cazuza. Roberto, mais Erasmo e Wanderléia. E mais um universo de personalidades e de muitos festivais. Sem esquecer a doce sensualidade de Ney Matogrosso, e seu deslumbrante visual. E agora, quem vai ficar?

...”Pai, afasta de mim esse cálice... de vinho tinto de sangue... cálice”...

 

 

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