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Vovó Lourdes em foto recente, com sua inseparável Lana Maria |
Há
tempos, mamãe Lourdes já não estava bem de saúde. Mas nós estávamos tão felizes
em tê-la conosco, ativa com seus oitenta e muitos anos, que nem percebíamos o
agravamento das suas muitas dores, do seu andar cada vez mais lento, da já acentuada
curvatura do corpo, dos esquecimentos constantes, da sua fragilidade.
Tanto
era assim que, raramente, alguém da família se “atrevia” a passear sem ela. Mesmo
se fosse preciso, por vezes, carregá-la nos braços. Vovó Lourdes, como todos a
chamavam, estava sempre disposta a nos acompanhar, não importava para onde e
nem as distancias. Todos, família e amigos, já sabiam que ela estaria presente
onde quer que estivéssemos: reuniões familiares, festas que as netas organizavam
no sítio, restaurantes (ela adorava pizza de palmito e comida chinesa), eventos
do clube da cidade (carnaval, festa junina, baile do Hawai), cinemas, e até nas
muitas idas da família ao aeroporto. Chorava ao ver as netas indo. Chorava ao vê-las chegando.
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Eu, mamãe e Paulinha: a gente viajou juntas para a Pousada do Rio Quente. Bom demais! |
Viagens de férias sem ela, então, nem pensar! Vovó Lourdes
era sempre a primeira no quesito “fazer as malas” e, acreditem, as dela geralmente
ficavam prontas com uma semana, ou até mais, de antecedência. Principalmente se íamos para a Pousada do Rio Quente. Como ela amava as duchas do resort! Ficava horas massageando braços e pernas. Chegava a ser
engraçado... Acho que, desde que moramos em São Carlos, fomos umas quatro vezes com ela para lá. Que bom!
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O genro amado, e a filha que a enchia de orgulho. Era a melhor profissional entre as melhores, dizia |
Na
verdade, ela só ficava em
casa quando as netas iam para as baladas. Isso porque
não a convidavam. Elas diziam que “baladas” eram só para os jovens... Como se
vovó Lourdes fosse uma “velhinha” qualquer. Velhinha, meus amigos, ela nunca
foi mesmo. Acho até que, ao nascer, Deus aboliu essa palavrinha chata do seu
vocabulário. Velhinhos até podiam ser os outros, sei lá. Mas ela jamais. Vovó
Lourdes simplesmente tinha “bastante idade”. Mas não pensem que ela mentia no
“bastante”. Isso não. Tinha orgulho dos tempos vividos. Ela só, digamos assim, omitia
sua idade real quando, sabe-se lá porque, percebia certo preconceito nas amigas
mais jovens da hidroginástica, lá do clube São Carlos. Preconceito logo com
ela, que topava qualquer parada, e que não tinha medo nem de se aventurar nos
esportes radicais? Que bobagem! Mesmo assim, gostava de “esconder” uns quatro
ou cinco anos.
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Participar de brincadeiras era com ela mesma. Com ou sem dores, estava sempre conosco. |
Lembro-me
dela, já perto dos oitenta anos, se divertindo nos brinquedos mais desafiadores
da Disneylândia. Quanta ousadia ao subir nas montanhas russas mais altas e
longas do mundo! Eu e minha irmã não parávamos de tremer e gritar. Ela apenas
sorria, feliz com tudo. As netas adoram sua coragem. Eu falava... ”olha o
coração”, “ainda vai enfartar”... E ela sorria sempre. Nossa! E quando fomos
até Brotas? Foi a primeira a entrar no tal barquinho para descer o rio cheio de
correntezas. Ela e as netas. Eu confesso que, de novo, só tremia com receio de me afogar.
Ela? Sorria toda orgulhosa. Dizem as más línguas que vovó Lourdes foi a mulher
mais velha... Desculpem... Com “mais idade” a praticar esse esporte radical.
Ela era assim. Sem medos. Porque a vida ensinou isso a ela.
Vovó Lourdes também era vaidosa, muito. E bastante irreverente. Ela gostava de cabelos vermelhos, e os pintava sempre. E jamais saia de casa sem brincos e
colares. Só que tudo combinava perfeitamente com ela, tal era sua alegria de viver. Também tinha verdadeira obsessão por roupas novas e jovens. Aliás, parecia uma verdadeira criança toda vez que a gente trazia blusas, calças jeans e vestidos de São Paulo. "Nada de ficar guardando", dizia toda feliz com os presentes ganhos fora das datas tradicionais. Queria usar tudo o mais rápido possível, e passear
por aí toda chique. Nem que fosse só para levar seu cachorrinho (Rick Martin) ou
cachorrinha (Lana Maria) para dar umas voltas na praça XV. E como ela amava
esses bichinhos! Tanto quanto a nós, filhas e netas. Até sapatinhos comprou para eles. Pode isso?
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Nas piscinas, fazia a festa. Nunca vi ninguém gostar tanto de água |
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Gostava de ver a família reunida. Aqui, na formatura da Fernanda. Já bem doentinha. |
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Tirando as duas palhacinhas ao fundo, ficam Diego e Renata. Para ela, as duas pessoas mais lindas da terra. E aí de quem a ousasse contrariar. Ela emburrava e pronto. |
Também, devo aqui ressaltar, ela era teimosa que só, principalmente durante nossas discussões. Não faz muito tempo, gastei toda sua aposentadoria pagando algumas contas. Jesus! Como essa mulher ficou brava! O
dinheiro, como sempre, era para dar de presente a uma das netas. Pois
acreditem: ela me fez sair, ir ao caixa eletrônico da Rosário 24 horas, e pegar
seu dinheiro de volta. Não queria nem saber como eu iria fazer isso. “Quem
mandou gastar”, repetia. E queria, porque queria, o “presente” da netinha de
volta. Acho que era o da Paulinha, por quem tinha verdadeira paixão. Só sei que eram quase 23
horas e que chovia prá caramba. Mesmo assim lá fui eu... guarda chuva a postos... xingando
pelos cotovelos... só faltou a dança do Fred Astaire... Depois, tudo virou piada, como sempre. Mas o
dinheiro chegou e ela o pegou rapidinho.
Pensando bem, ela não gostaria nem um pouco se eu não falasse que ela, vovó Lourdes, amava de paixão
todas as netas, e que vivia para vê-las feliz. Quantas noites não a vi rezando seu terço, muitas vezes ajoelhada, até já sem poder, para a Renatinha ser sempre alegre e bem sucedida nos trabalhos, lá do outro lado do mundo, para a Juliana encontrar seu verdadeiro caminho, e sem nenhum sofrimento, para a Fernandinha conseguir o emprego que sonha, mesmo tendo que também ir para longe. Rezava e ascendia velas. E esperava pelas visitas, pelos abraços. Pelos beijos. Que, graças a Deus, sempre vinham.
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Aqui, na formatura da Juliana. Nunca a vi tão feliz por uma neta ter conseguido se formar. Uma neta
que ajudou a criar, educar. |
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Sinto muita a sua falta, mãe |
Poderia falar de vovó Lourdes por horas... dias... meses... E das coisas que não voltarão jamais, como as rabanadas especiais de final de ano, a bacalhoada sem igual que preparava no Natal, ou os presentes que ela fazia questão de acumular nos aniversários de todas nós, ou na árvore de Natal... Coisas que não voltarão jamais.
Mamãe
era assim: uma mulher humilde demais, determinada demais, corajosa demais, que
gostava de todo mundo, menos de quem ousasse falar qualquer coisa negativa
sobre mim, minhas irmãs, ou sobre as netinhas adoradas, e o genro que amava de
todo o coração, e a quem considerava mais do que um filho legítimo.
Mal
acredito em tudo o que aconteceu. Depois de 93 dias de UTI na Casa de Saúde, e
mais cerca de um mês na Santa Casa ela se foi. Confesso a vocês que já esperava
por isso e, ao mesmo tempo, não esperava por isso. No momento, me sinto em meio
a um grande e silencioso vazio. Às vezes revoltada. Às vezes conformada. Atordoada. Sempre imensamente triste...
SUPERBEIJO