sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Vovó Lourdes. Sinto muito sua falta, mãe...



Vovó Lourdes em foto recente, com sua
 inseparável Lana Maria
Há tempos, mamãe Lourdes já não estava bem de saúde. Mas nós estávamos tão felizes em tê-la conosco, ativa com seus oitenta e muitos anos, que nem percebíamos o agravamento das suas muitas dores, do seu andar cada vez mais lento, da já acentuada curvatura do corpo, dos esquecimentos constantes, da sua fragilidade.

Tanto era assim que, raramente, alguém da família se “atrevia” a passear sem ela. Mesmo se fosse preciso, por vezes, carregá-la nos braços. Vovó Lourdes, como todos a chamavam, estava sempre disposta a nos acompanhar, não importava para onde e nem as distancias. Todos, família e amigos, já sabiam que ela estaria presente onde quer que estivéssemos: reuniões familiares, festas que as netas organizavam no sítio, restaurantes (ela adorava pizza de palmito e comida chinesa), eventos do clube da cidade (carnaval, festa junina, baile do Hawai), cinemas, e até nas muitas idas da família ao aeroporto. Chorava ao ver as netas indo. Chorava ao vê-las chegando. 

Eu, mamãe e Paulinha: a gente viajou juntas para a Pousada
do Rio Quente. Bom demais! 
Viagens de férias sem ela, então, nem pensar! Vovó Lourdes era sempre a primeira no quesito “fazer as malas” e, acreditem, as dela geralmente ficavam prontas com uma semana, ou até mais, de antecedência. Principalmente se íamos para a Pousada do Rio Quente. Como ela amava as duchas do resort! Ficava horas massageando braços e pernas. Chegava a ser engraçado... Acho que, desde que moramos em São Carlos, fomos umas quatro vezes com ela para lá. Que bom! 
O genro amado, e a filha que a enchia de orgulho.
Era a melhor profissional entre as melhores, dizia



Na verdade, ela só ficava em 
casa quando as netas iam para as baladas. Isso porque não a convidavam. Elas diziam que “baladas” eram só para os jovens... Como se vovó Lourdes fosse uma “velhinha” qualquer. Velhinha, meus amigos, ela nunca foi mesmo. Acho até que, ao nascer, Deus aboliu essa palavrinha chata do seu vocabulário. Velhinhos até podiam ser os outros, sei lá. Mas ela jamais. Vovó Lourdes simplesmente tinha “bastante idade”. Mas não pensem que ela mentia no “bastante”. Isso não. Tinha orgulho dos tempos vividos. Ela só, digamos assim, omitia sua idade real quando, sabe-se lá porque, percebia certo preconceito nas amigas mais jovens da hidroginástica, lá do clube São Carlos. Preconceito logo com ela, que topava qualquer parada, e que não tinha medo nem de se aventurar nos esportes radicais? Que bobagem! Mesmo assim, gostava de “esconder” uns quatro ou cinco anos.

Participar de brincadeiras era com ela mesma. Com ou sem
dores, estava sempre conosco.
Lembro-me dela, já perto dos oitenta anos, se divertindo nos brinquedos mais desafiadores da Disneylândia. Quanta ousadia ao subir nas montanhas russas mais altas e longas do mundo! Eu e minha irmã não parávamos de tremer e gritar. Ela apenas sorria, feliz com tudo. As netas adoram sua coragem. Eu falava... ”olha o coração”, “ainda vai enfartar”... E ela sorria sempre. Nossa! E quando fomos até Brotas? Foi a primeira a entrar no tal barquinho para descer o rio cheio de correntezas. Ela e as netas. Eu confesso que, de novo, só tremia com receio de me afogar. Ela? Sorria toda orgulhosa. Dizem as más línguas que vovó Lourdes foi a mulher mais velha... Desculpem... Com “mais idade” a praticar esse esporte radical. Ela era assim. Sem medos. Porque a vida ensinou isso a ela.

Vovó Lourdes também era vaidosa, muito. E bastante irreverente. Ela gostava de cabelos vermelhos, e os pintava sempre. E jamais saia de casa sem brincos e colares. Só que tudo combinava perfeitamente com ela, tal era sua alegria de viver. Também tinha verdadeira obsessão por roupas novas e jovens. Aliás, parecia uma verdadeira  criança toda vez que a gente trazia blusas, calças jeans e vestidos de São Paulo. "Nada de ficar guardando", dizia toda feliz com os presentes ganhos fora das datas tradicionais. Queria usar tudo o mais rápido possível, e passear por aí toda chique.    Nem que fosse só para levar seu cachorrinho (Rick Martin) ou cachorrinha (Lana Maria) para dar umas voltas na praça XV. E como ela amava esses bichinhos! Tanto quanto a nós, filhas e netas. Até sapatinhos comprou para eles. Pode isso?
Nas piscinas, fazia a festa. Nunca vi ninguém
 gostar tanto de água

Gostava de ver a família reunida. Aqui, na formatura
da Fernanda. Já bem doentinha.
Tirando as duas palhacinhas ao fundo, ficam Diego e Renata.
Para ela, as duas pessoas mais lindas da terra.
E aí de quem a ousasse contrariar. Ela emburrava e pronto.

Também, devo aqui ressaltar,  ela era teimosa  que só, principalmente durante nossas discussões. Não faz muito tempo, gastei toda sua  aposentadoria pagando algumas contas. Jesus! Como essa mulher ficou brava! O dinheiro, como sempre, era para dar de presente a uma das netas. Pois acreditem: ela me fez sair, ir ao caixa eletrônico da Rosário 24 horas, e pegar seu dinheiro de volta. Não queria nem saber como eu iria fazer isso. “Quem mandou gastar”, repetia. E queria, porque queria, o “presente” da netinha de volta. Acho que era o da Paulinha, por quem tinha verdadeira paixão. Só sei que eram quase 23 horas e que chovia prá caramba. Mesmo assim lá fui eu... guarda chuva a postos... xingando pelos cotovelos... só faltou a dança do Fred Astaire...  Depois, tudo virou piada, como sempre. Mas o dinheiro chegou e ela o pegou rapidinho.  

Pensando bem, ela não gostaria nem um pouco se eu não falasse que ela, vovó Lourdes, amava de paixão 

todas as netas, e que vivia para vê-las feliz. Quantas noites não a vi rezando seu terço, muitas vezes ajoelhada, até já sem poder, para a Renatinha ser sempre alegre e bem sucedida nos trabalhos, lá do outro lado do mundo, para a Juliana encontrar seu verdadeiro caminho, e sem nenhum sofrimento, para a Fernandinha conseguir o emprego que sonha, mesmo tendo que também ir para longe. Rezava e ascendia velas. E esperava pelas visitas, pelos abraços. Pelos beijos. Que, graças a Deus, sempre vinham.
Aqui, na formatura da Juliana. Nunca a vi tão feliz por
uma neta ter conseguido se formar. Uma neta

que ajudou a criar, educar.

Sinto muita a sua falta, mãe
Poderia falar de vovó Lourdes por horas... dias... meses... E das coisas que não voltarão jamais, como as rabanadas especiais de final de ano, a bacalhoada sem igual que preparava no Natal, ou os presentes que ela fazia questão de acumular nos aniversários de todas nós, ou na árvore de Natal... Coisas que não voltarão jamais.  

Mamãe era assim: uma mulher humilde demais, determinada demais, corajosa demais, que gostava de todo mundo, menos de quem ousasse falar qualquer coisa negativa sobre mim, minhas irmãs, ou sobre as netinhas adoradas, e o genro que amava de todo o coração, e a quem considerava mais do que um filho legítimo.

Mal acredito em tudo o que aconteceu. Depois de 93 dias de UTI na Casa de Saúde, e mais cerca de um mês na Santa Casa ela se foi. Confesso a vocês que já esperava por isso e, ao mesmo tempo, não esperava por isso. No momento, me sinto em meio a um grande e silencioso vazio. Às vezes revoltada. Às vezes conformada. Atordoada. Sempre imensamente triste...


SUPERBEIJO

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