Setembro, vinte e um. Ano de 2025.
Voltava
do tradicional almoço de domingo em família quando, ao entrar na Carlos
Botelho, fui pega de surpresa por algumas ruas interditadas, bem perto de casa.
Nervosinha, como escorpião que sou, fui logo esperneando. “Bem aqui?”,
resmunguei ao ver o grupo de uns quarenta universitários da Federal (ou seria
da USP?), e mais uns agregados, protestando no meio da rua.
Cartazes,
gritos de ordem e aquela convicção vibrante de quem acredita que vai mudar o
mundo já na próxima assembleia. "Fora não sei quem!", "Prisão
para fulano!", "Abaixo sei lá o quê!" — frases familiares, apenas
recicladas para os dramas atuais.
De
repente, um turbilhão de recordações me engoliu. Enquanto esperava (mesmo
porque não dava para sair do lugar), senti-me voltando no tempo. Aqueles
tambores, os passos firmes, os gritos... tudo me puxava para outro cenário,
meio século atrás.
Vi a mim mesma, cinquenta anos antes, também cheia de energia, convicta de que minhas verdades eram inquestionáveis, marchando pelas ruas do centro de São Paulo ao lado de amigos, cavalos gigantes e policiais assustadores. Recordei cartazes enormes, caminhadas corajosas, aquele entusiasmo juvenil que dispensava cautela. Naquele tempo… ah, como parecia que sabíamos de tudo!
Final dos
anos 60. Década de 70. A política fervia, havia censura, ideias
multiplicavam-se — e lá estava eu, protestando (nem sei bem o quê), querendo
registrar tudo, fazer parte da turma que se achava intelectualmente
privilegiada, dona das certezas do mundo. Caetano, Chico, Gil, Djavan, Vandré
eram meus ídolos. “Cálice”, “Pra não dizer que não falei das flores”, “Alegria,
alegria” eram os hinos contra a ditadura. E “Opinião”, na voz de Nara Leão?
Como esquecer?
De volta
ao presente, percebi que a pequena e barulhenta passeata seguia agora para a
Praça XV. Observei, tranquila, refletindo sobre o tempo e o que realmente
mudou. Resposta curta: quase nada.
Apesar
dos novos personagens, as palavras de ordem eram as mesmas, a inquietação
juvenil idêntica, a raiva contra um inimigo comum repetida. Esses jovens pretendem mudar o mundo com suas ideologias, suas crenças? Nós não mudamos naquela época. E tudo permanece igual. Basta olhar para esta aglomeração, incapaz de uma análise, ainda que rasa, do porquê de suas indignações, revoltas.
Cheguei
em casa e liguei a TV nos noticiários: protestos pipocavam por todo o Brasil. A mesma
energia, as mesmas reivindicações, as frases feitas, os clichês. Confesso que, na minha época, éramos mais
focados, mais sérios, mais conscientes da situação do país. O que vi hoje, tanto em São
Carlos como no resto, foi um carnaval antecipado, com artistas veteranos
cantando sucessos de cinco décadas atrás (compuseram nada novo?), animando
grupos que buscam apenas esquecer os dias difíceis e sem perspectiva que estão vivendo. Pão e circo.
Após esse
turbilhão de recordações, só me resta chorar.
Lia Estevão
poderá enfim evoluir a um novo nível."
Nenhum comentário:
Postar um comentário