quinta-feira, 27 de março de 2025

A verdade sumiu... e agora?

Amigos queridos,

Estou completamente mergulhada em dois livros que, além de me encantarem, têm me levado a refletir sobre questões políticas, sociais e, sobretudo, sobre a natureza humana. Duas obras que, separadas por décadas, parecem dialogar perfeitamente com os tempos em que vivemos. São eles: Flores para Algernon, de Daniel Keyes, e 1984, de George Orwell.

O primeiro é um soco no estômago e um afago na alma ao mesmo tempo. Um livro que nos faz pensar sobre inteligência, autoconhecimento e os limites éticos da ciência. A trajetória de Charlie Gordon é de uma beleza comovente, mas também uma advertência silenciosa sobre o preço da consciência. Já 1984, por sua vez, é um verdadeiro manual do pesadelo distópico. Um alerta sobre os perigos do controle absoluto, da manipulação da verdade e da reescrita da história. Como se Orwell tivesse espiado o futuro e decidido nos deixar um bilhete desesperado: "Cuidado!". Mas, ironicamente, parece que ninguém leu o bilhete. Ou, se leu, resolveu usá-lo como manual de instruções.

À medida que avanço nessas leituras, me vejo tomada por uma inquietação que oscila entre o incômodo e o desespero. Como chegamos até aqui? Como conseguimos transformar a realidade em algo tão absurdamente próximo da ficção? Para onde foi a verdade, aquela velha conhecida que outrora julgávamos inquestionável? Terá se mudado para algum exílio secreto, cansada de ser distorcida e reinventada? Ou será que nunca existiu e nós apenas fingimos acreditar nela?

Sempre acreditei na força do jornalismo, na honestidade dos que narram os acontecimentos, na coragem dos que trazem luz às sombras. Mas, hoje, confesso que me sinto órfã. Perdida em um mundo onde cada um parece ter sua própria versão dos fatos, cuidadosamente editada para caber dentro de uma bolha confortável e inquestionável. Vivemos tempos em que o conceito de verdade se tornou tão flexível quanto a opinião de um político em campanha. Se a realidade não agrada, basta reinventá-la, adorná-la com narrativas convenientes e distribuí-la ao público sedento por certezas absolutas.

E assim seguimos, cada um segurando sua própria verdade como se fosse um troféu inegociável, enquanto a realidade objetiva se desfaz no ar, como um castelo de areia varrido pela maré. Talvez seja esse o verdadeiro legado de 1984: a constatação de que a verdade não desaparece de uma vez, mas sim aos poucos, em pequenas doses, até que um dia acordamos e já não sabemos mais no que acreditar.

Mas ainda me resta um fio de esperança. Porque, no fim, a literatura segue sendo esse espaço sagrado onde a dúvida é permitida, onde os questionamentos são bem-vindos e onde, quem sabe, possamos encontrar alguma resposta. Ou, ao menos, as perguntas certas.

Por isso, leio. E sigo perguntando. Você também sente isso?


Lia Estevao - Jornalista


2 comentários:

  1. excelente texto. em que escaninhos da vida se esconde a verdade ?

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  2. Excelentes observações, principalmente a que cita sobre o Jornalismo, as verdades parecem ser muitas e distintas..., 1984 (grande irmão) essa leitura mexeu muito comigo também. Parabéns Lia.

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